Depois de voltar à sua terra amada, o Huambo, Fernando Mira Godinho veio a Portugal onde esteve hospitalizado já em 2011. Veio a falecer ainda neste mês de Janeiro, no dia 23.
Poderia fechar um ciclo na história da organização das corridas no Huambo. Mas ele não precisava. A sua terra, sim. Ainda precisava dele.
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18 de Maio de 2008 no Bombarral. António Peixinho (blusão vermelho) homenageia os organizadores "das melhores corridas de todos os tempos em Angola". Mira Godinho está no pódio, à direita de Armando Lacerda.
Mira Godinho pelo seu Amigo Armando Lacerda, numa homenagem exposta no
MotorClássico em 22-07-2009:
Pequena "estória" de alguém a quem as "6 Horas de Nova Lisboa" muito ficaram a dever.
Hoje, vou falar de uma pessoa que, para muitos talvez desconhecida, é alguém a quem as “6 Horas de Nova Lisboa” muito ficaram a dever: Fernando Mira Godinho.
Conheci o Mira numa reunião de emergência em que se discutia o futuro das “6 Horas” e a sua possível condenação à morte.
A primeira edição da prova dera um prejuízo de vinte contos e o presidente do Sporting do Huambo, adepto apenas do futebol e que só via cifrões, não dava autorização para a sua continuação.
Estava-se naquela discussão quando o Mira, usando da palavra, garantiu que arranjaria aquela importância em publicidade e que, se o não conseguisse, punha o que faltava do seu bolso.
A princípio, por aquela conversa, pensei que seria algum angariador de publicidade e mal pensava eu, naquela altura, que se iria tornar no meu melhor colaborador e no meu maior amigo.
A partir dali, foi-se cimentando uma amizade muito grande e passámos a ser companheiros em todos os bons e maus momentos.
O Mira arranjou a publicidade num valor que excedeu a importância em causa, a segunda edição da prova realizou-se e, passado algum tempo, assumiu a presidência da direcção do Sporting.
Onde tínhamos tido um opositor à realização da prova passámos a ter alguém com quem podíamos contar em todas as circunstâncias.
Após a terceira edição, o Mira percebeu da necessidade de imprimir um maior dinamismo e mais organização para permitir o seu progresso e pediu-me para assumir a direcção da prova dado que o Franchi Henriques se encontrava saturado.
A nossa amizade foi sempre aumentando, embora entremeada de discussões terríveis todas elas relacionadas com a organização da prova, embora fora delas continuássemos inseparáveis amigos.
É que o Mira tinha de ser mediador e o grande apaziguador entre uma direcção do Sporting que só se interessava com o lucro que a prova poderia dar, pretendendo ganhar o máximo gastando o mínimo, e a direcção da corrida que pretendia o céu e a terra e, para isso, exigia que as receitas conseguidas com as provas fossem empregues em proveito das mesmas.
Como uma bola de ping-pong, o Mira enfrentava e tentava convencer a direcção a investir o mais possível e aguentava com as minhas fúrias que queria sempre mais e mais.
As discussões eram de tal forma violentas que chegámos a fazer um pacto de que, no dia a seguir às “6 Horas”, esqueceríamos tudo que pudéssemos ter dito um ao outro.
E foi sempre assim até à minha saída da direcção da corrida que abalou, temporariamente, as nossas relações, pois zangámo-nos e deixámo-nos de falar, mas a nossa amizade, embora o não parecesse, nunca deixou de existir.
Com a minha saída, o Mira reconhecendo que não tinha capacidade técnica para assumir a direcção da prova, teve a humildade de se dirigir ao ATCA e pedir à Comissão Desportiva que tomasse a direcção da mesma.
Foi ele o verdadeiro obreiro das “6 Horas” terem atingido a projecção que alcançaram, salvando-as primeiro da sua morte prematura, promovendo, em determinada altura, alterações para que atingissem maior dinamismo e projecção, batalhando depois, junto dos restantes membros da direcção, para obter as condições financeiras que permitissem que as minhas ideias se pudessem concretizar e tomando medidas, após a minha saída, para que a prova pudesse continuar.
Durante alguns anos, mantivemo-nos zangados e nem sequer me despedi dele quando regressei a Portugal.
Mas, apesar disso, a nossa amizade nunca diminuiu e, um dia, o Mira apareceu-me em Évora e deu-se a nossa reconciliação.
Abraçámo-nos como se nos tivéssemos visto na véspera e continuámos amigos até aos dias de hoje.
Na semana passada recebi um telefonema seu. Estava radiante!A convite do sobrinho, tinha voltado à sua querida Angola que ele tanto ama e ali tinha passado dois meses, em Luanda e no Huambo.
Dera entrevistas à Rádio Nacional de Angola e à Rádio Huambo sobre os seus tempos de futebolista e basquetebolista, mas sobretudo sobre as “6 Horas”.
No Huambo, as pessoas com quem falara referiam-se com entusiasmo às “6 Horas”, chegando alguém a dizer-lhe que já não o deixavam sair de lá sem voltar a fazer, de novo, aquela prova.
E o Mira justificava-se dizendo que as “6 Horas” não se faziam em meia dúzia de dias e que, antigamente, levavam um ano a ser organizadas, que não tinha ali a equipa que fizera a prova, que o asfalto existente não se prestava à sua realização, em conclusão que era um sonho ainda difícil de concretizar.
Fico feliz pela alegria que o Mira sentiu por esses dois meses na sua querida terra e por todo o entusiasmo que o rodeou.
Feliz e impressionado!
Impressionado como, passados trinta e tal anos, as “6 Horas” continuam bem vivas e se falam delas com entusiasmo.
Impressionado quando encontro pessoas, que eram crianças na altura, cheias de recordações e falando com entusiasmo das corridas daqueles tempos.
Impressionado quando, após tantos anos difíceis e de sacrifício porque Angola passou, o amor pelos automóveis não morreu, continua bem vivo e, a pouco e pouco, por todo o país vão surgindo corridas com o mesmo entusiasmo de outrora.
Impressionado quando tomo conhecimento que o Governador do Huambo, em reunião com a pessoa que está tentando reorganizar este desporto naquela cidade, lhe pede que ponha de pé as “6 Horas” no mais curto espaço de tempo. E. ao impressionar-me desta forma, o meu pensamento vai para todos aqueles que disputando as corridas nas pistas, na organização das provas com mais ou menos defeitos, nos bastidores dando-lhe todo o apoio necessários ou nos jornais e na rádio promovendo a sua divulgação, tornaram possível que este entusiasmo se mantenha vivo ao fim de tantos anos.
Aqueles homens com quem tive a honra de conviver e de granjear amizades, sem sequer darem por isso, estavam a fazer história.
Eles fizeram de facto história… história que se mantém bem viva nos dias de hoje.
E entre esses homens está o Fernando Mira Godinho.
Passado algum tempo de ter escrito este “post” escrevi o seguinte:
UM DOS PILARES DAS "6 HORAS INTERNACIONAIS DE NOVA LISBOA" REGRESSA AO HUAMBO
Há tempos, escrevi um "post" em que, a propósito de um telefonema que havia recebido do meu Amigo Fernando Mira Godinho, relatei as férias que ele passara em Angola e contava como ele tinha sido um verdadeiro pilar na construção das "6 Horas Internacionais de Nova Lisboa".
Há dias, recebi outro telefonema dele a despedir-se pois resolvera regressar definitivamente à sua Angola e ao seu Huambo.
Quando ali tivera de férias, aproveitara para tirar o seu bilhete de identidade de cidadão angolano e, assim, ao fim de trinta e dois anos de exílio, o Fernando regressa à sua terra de origem que tanto ama.
Senti-me feliz por ele mas, ao mesmo tempo, apoderou-se de mim uma enorme tristeza pois a distância ia afastar-nos, possivelmente, em definitivo.
Mas como, tal como dizia Fernando Pessoa, "tenho em mim todos os sonhos do mundo" despedi-me dizendo-lhe que, em breve, o iria visitar.
E o Mira feliz e sempre prestável respondeu-me: "e tens cama, mesa e roupa lavada garantida.
Sei que, apesar de ter em mim todos os sonhos do mundo, este será muito difícil de concretizar ... mas vale sempre a pena sonhar.
A última vez que estive com o Mira Godinho foi em Maio, quando o fui buscar para irmos ao encontro dos automobilistas angolanos que se realizou no Bombarral.
Ali, o António Peixinho fez questão de homenagear-me e ao Mira afirmando que nós tínhamos sido autores das melhores corridas que se realizaram em Angola.
Como foi bom o Peixinho ter tido esta lembrança pois, assim, o Fernando leva uma boa recordação de Portugal e sabe que o seu valor foi reconhecido.
O Fernando Mira Godinho regressou ao seu querido Huambo.Está um pouco depauperado e já não tem os meios e relações que tinha quando, juntos, construímos as "6 Horas". Mas tem, dentro dele, ainda muito entusiasmo e uma vida passada cheia de actividade em prol do desporto.
Que os entusiastas do desporto automóvel, que no Huambo tentam dar nova vida a esta modalidade, saibam aproveitar tudo que o Mira Godinho ainda lhes pode dar.
Será bom para o desporto automóvel e também para o Mira Godinho que bem merece.
Quando escrevi este “post” disse que o sonho era difícil de concretizar mas, em Maio passado, ele teve prestes a ser uma realidade quando na realização de corridas no Huambo, ao fim de trinta e cinco anos, houve uma movimentação em Angola para que eu tivesse presente.
E quando tudo fazia prever que o sonho se tornaria realidade a não chegada de um visto impediu que tivesse tido essa grande alegria.
4 comentários:
Em Janeiro de 2010 ainda recebi um telefonema do Mira que viera passar o Natal com a Família.
Desta vez não me chegou a telefonar.
Foi o Fernando Pereira que me telefonou a dar esta triste notícia.
Mais um grande Amigo, dos maiores de todos, que vejo desaparecer e sinto-me mais pobre.
Até sempre Mira, meu grande Amigo.
Um abraço, Armando.
Quando há cerca de dois anos voltaram a organizar-se corridas no Huambo e existiu um simpático movimento para que eu estivesse presente, tive oportunidade de dizer aos organizadores das provas que não se esquecessem de convidar o Fernando Mira Godinho para estar presente naquela prova.
Em Lisboa, quando estive com um dos organizadores voltei a falar no assunto e ele disse-me que teria de procurar o Mira para o convidar.
Absolutamente convencido que o não teriam esquecido, quando no princípio de 2010 falei com o Mira (mal pensava eu que era a última vez) disse-lhe: “Então foste um convidado de honra nas corridas do Huambo?”.
Senti uma tristeza grande quando o Mira me respondeu: “Não, ninguém me disse nada. Assisti porque comprei bilhete e no final até procurei os organizadores para os felicitar.”
Se aceitei com naturalidade e compreensão que o convite que me fizeram não se tivesse concretizado, melindrou-me bastante terem esquecido o Mira a quem o desporto angolano e o automobilismo tanto deviam.
Apesar da minha já adiantada idade alimentei sempre o sonho de voltar ao Huambo. Mas, hoje esse sonho morreu.
Todos os Amigos que ali tive já desapareceram e, certamente, voltar ao Huambo só me traria tristeza.
Prefiro recordar aquela Nova Lisboa com a sua Finol e as suas 6 Horas Internacionais de Nova Lisboa, com o Pinto Leite e o Mira Godinho, com os colegas dos meus filhos a quem incuti o gosto pelo teatro. Aquela Nova Lisboa onde fui tão feliz com a minha mulher e os meus filhos.
Essa é a Nova Lisboa que eu recordo e que já não poderia encontrar no Huambo.
Outro tempo com outros prazos e outras vontades que talvez ainda fossem a tempo do tempo que parou mais cedo para o nosso amigo...
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