sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Até sempre, Mira Godinho!


Depois de voltar à sua terra amada, o Huambo, Fernando Mira Godinho veio a Portugal onde esteve hospitalizado já em 2011. Veio a falecer ainda neste mês de Janeiro, no dia 23.

Poderia fechar um ciclo na história da organização das corridas no Huambo. Mas ele não precisava. A sua terra, sim. Ainda precisava dele.

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18 de Maio de 2008 no Bombarral. António Peixinho (blusão vermelho) homenageia os organizadores "das melhores corridas de todos os tempos em Angola". Mira Godinho está no pódio, à direita de Armando Lacerda.


Mira Godinho pelo seu Amigo Armando Lacerda, numa homenagem exposta no
MotorClássico em 22-07-2009:


Pequena "estória" de alguém a quem as "6 Horas de Nova Lisboa" muito ficaram a dever.

Hoje, vou falar de uma pessoa que, para muitos talvez desconhecida, é alguém a quem as “6 Horas de Nova Lisboa” muito ficaram a dever: Fernando Mira Godinho.

Conheci o Mira numa reunião de emergência em que se discutia o futuro das “6 Horas” e a sua possível condenação à morte.

A primeira edição da prova dera um prejuízo de vinte contos e o presidente do Sporting do Huambo, adepto apenas do futebol e que só via cifrões, não dava autorização para a sua continuação.
Estava-se naquela discussão quando o Mira, usando da palavra, garantiu que arranjaria aquela importância em publicidade e que, se o não conseguisse, punha o que faltava do seu bolso.

A princípio, por aquela conversa, pensei que seria algum angariador de publicidade e mal pensava eu, naquela altura, que se iria tornar no meu melhor colaborador e no meu maior amigo.

A partir dali, foi-se cimentando uma amizade muito grande e passámos a ser companheiros em todos os bons e maus momentos.

O Mira arranjou a publicidade num valor que excedeu a importância em causa, a segunda edição da prova realizou-se e, passado algum tempo, assumiu a presidência da direcção do Sporting.

Onde tínhamos tido um opositor à realização da prova passámos a ter alguém com quem podíamos contar em todas as circunstâncias.

Após a terceira edição, o Mira percebeu da necessidade de imprimir um maior dinamismo e mais organização para permitir o seu progresso e pediu-me para assumir a direcção da prova dado que o Franchi Henriques se encontrava saturado.

A nossa amizade foi sempre aumentando, embora entremeada de discussões terríveis todas elas relacionadas com a organização da prova, embora fora delas continuássemos inseparáveis amigos.

É que o Mira tinha de ser mediador e o grande apaziguador entre uma direcção do Sporting que só se interessava com o lucro que a prova poderia dar, pretendendo ganhar o máximo gastando o mínimo, e a direcção da corrida que pretendia o céu e a terra e, para isso, exigia que as receitas conseguidas com as provas fossem empregues em proveito das mesmas.

Como uma bola de ping-pong, o Mira enfrentava e tentava convencer a direcção a investir o mais possível e aguentava com as minhas fúrias que queria sempre mais e mais.

As discussões eram de tal forma violentas que chegámos a fazer um pacto de que, no dia a seguir às “6 Horas”, esqueceríamos tudo que pudéssemos ter dito um ao outro.
E foi sempre assim até à minha saída da direcção da corrida que abalou, temporariamente, as nossas relações, pois zangámo-nos e deixámo-nos de falar, mas a nossa amizade, embora o não parecesse, nunca deixou de existir.

Com a minha saída, o Mira reconhecendo que não tinha capacidade técnica para assumir a direcção da prova, teve a humildade de se dirigir ao ATCA e pedir à Comissão Desportiva que tomasse a direcção da mesma.

Foi ele o verdadeiro obreiro das “6 Horas” terem atingido a projecção que alcançaram, salvando-as primeiro da sua morte prematura, promovendo, em determinada altura, alterações para que atingissem maior dinamismo e projecção, batalhando depois, junto dos restantes membros da direcção, para obter as condições financeiras que permitissem que as minhas ideias se pudessem concretizar e tomando medidas, após a minha saída, para que a prova pudesse continuar.

Durante alguns anos, mantivemo-nos zangados e nem sequer me despedi dele quando regressei a Portugal.

Mas, apesar disso, a nossa amizade nunca diminuiu e, um dia, o Mira apareceu-me em Évora e deu-se a nossa reconciliação.

Abraçámo-nos como se nos tivéssemos visto na véspera e continuámos amigos até aos dias de hoje.

Na semana passada recebi um telefonema seu. Estava radiante!A convite do sobrinho, tinha voltado à sua querida Angola que ele tanto ama e ali tinha passado dois meses, em Luanda e no Huambo.

Dera entrevistas à Rádio Nacional de Angola e à Rádio Huambo sobre os seus tempos de futebolista e basquetebolista, mas sobretudo sobre as “6 Horas”.
No Huambo, as pessoas com quem falara referiam-se com entusiasmo às “6 Horas”, chegando alguém a dizer-lhe que já não o deixavam sair de lá sem voltar a fazer, de novo, aquela prova.

E o Mira justificava-se dizendo que as “6 Horas” não se faziam em meia dúzia de dias e que, antigamente, levavam um ano a ser organizadas, que não tinha ali a equipa que fizera a prova, que o asfalto existente não se prestava à sua realização, em conclusão que era um sonho ainda difícil de concretizar.

Fico feliz pela alegria que o Mira sentiu por esses dois meses na sua querida terra e por todo o entusiasmo que o rodeou.

Feliz e impressionado!

Impressionado como, passados trinta e tal anos, as “6 Horas” continuam bem vivas e se falam delas com entusiasmo.

Impressionado quando encontro pessoas, que eram crianças na altura, cheias de recordações e falando com entusiasmo das corridas daqueles tempos.

Impressionado quando, após tantos anos difíceis e de sacrifício porque Angola passou, o amor pelos automóveis não morreu, continua bem vivo e, a pouco e pouco, por todo o país vão surgindo corridas com o mesmo entusiasmo de outrora.

Impressionado quando tomo conhecimento que o Governador do Huambo, em reunião com a pessoa que está tentando reorganizar este desporto naquela cidade, lhe pede que ponha de pé as “6 Horas” no mais curto espaço de tempo. E. ao impressionar-me desta forma, o meu pensamento vai para todos aqueles que disputando as corridas nas pistas, na organização das provas com mais ou menos defeitos, nos bastidores dando-lhe todo o apoio necessários ou nos jornais e na rádio promovendo a sua divulgação, tornaram possível que este entusiasmo se mantenha vivo ao fim de tantos anos.

Aqueles homens com quem tive a honra de conviver e de granjear amizades, sem sequer darem por isso, estavam a fazer história.

Eles fizeram de facto história… história que se mantém bem viva nos dias de hoje.

E entre esses homens está o Fernando Mira Godinho.


Passado algum tempo de ter escrito este “post” escrevi o seguinte:

UM DOS PILARES DAS "6 HORAS INTERNACIONAIS DE NOVA LISBOA" REGRESSA AO HUAMBO
Há tempos, escrevi um "post" em que, a propósito de um telefonema que havia recebido do meu Amigo Fernando Mira Godinho, relatei as férias que ele passara em Angola e contava como ele tinha sido um verdadeiro pilar na construção das "6 Horas Internacionais de Nova Lisboa".

Há dias, recebi outro telefonema dele a despedir-se pois resolvera regressar definitivamente à sua Angola e ao seu Huambo.

Quando ali tivera de férias, aproveitara para tirar o seu bilhete de identidade de cidadão angolano e, assim, ao fim de trinta e dois anos de exílio, o Fernando regressa à sua terra de origem que tanto ama.

Senti-me feliz por ele mas, ao mesmo tempo, apoderou-se de mim uma enorme tristeza pois a distância ia afastar-nos, possivelmente, em definitivo.

Mas como, tal como dizia Fernando Pessoa, "tenho em mim todos os sonhos do mundo" despedi-me dizendo-lhe que, em breve, o iria visitar.

E o Mira feliz e sempre prestável respondeu-me: "e tens cama, mesa e roupa lavada garantida.

Sei que, apesar de ter em mim todos os sonhos do mundo, este será muito difícil de concretizar ... mas vale sempre a pena sonhar.

A última vez que estive com o Mira Godinho foi em Maio, quando o fui buscar para irmos ao encontro dos automobilistas angolanos que se realizou no Bombarral.

Ali, o António Peixinho fez questão de homenagear-me e ao Mira afirmando que nós tínhamos sido autores das melhores corridas que se realizaram em Angola.

Como foi bom o Peixinho ter tido esta lembrança pois, assim, o Fernando leva uma boa recordação de Portugal e sabe que o seu valor foi reconhecido.

O Fernando Mira Godinho regressou ao seu querido Huambo.Está um pouco depauperado e já não tem os meios e relações que tinha quando, juntos, construímos as "6 Horas". Mas tem, dentro dele, ainda muito entusiasmo e uma vida passada cheia de actividade em prol do desporto.

Que os entusiastas do desporto automóvel, que no Huambo tentam dar nova vida a esta modalidade, saibam aproveitar tudo que o Mira Godinho ainda lhes pode dar.
Será bom para o desporto automóvel e também para o Mira Godinho que bem merece.


Quando escrevi este “post” disse que o sonho era difícil de concretizar mas, em Maio passado, ele teve prestes a ser uma realidade quando na realização de corridas no Huambo, ao fim de trinta e cinco anos, houve uma movimentação em Angola para que eu tivesse presente.

E quando tudo fazia prever que o sonho se tornaria realidade a não chegada de um visto impediu que tivesse tido essa grande alegria.

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